Em
ambiente de Educação, a ação de letrar e as preocupações com o letramento têm
ganhado relevância, uma vez que, cada vez mais, tem-se compreendido que a pedagogia
centrada no letramento ultrapassa os limites da alfabetização e ganha corpo nas
diversas áreas do conhecimento. Para Magda Soares (2000), o letramento consiste
na condição que o sujeito apresenta de atuar nas práticas sociais por meio da
leitura e da escrita. Claro e evidente que para tanto o sujeito precisa ser
alfabetizado, precisa aprender um código linguístico, precisa dominar a
codificação da fala e elaborar a decodificação da escrita; mas o letramento não
se resume a isso.
O
professor alfabetizador, com certeza, é a base fundamental para o
desenvolvimento do letramento dentro do contexto escolar. Contudo, vale
lembrar, se não houver um trabalho consistente em relação à leitura enquanto
processo de interpretação, em que se pressupõem a (de)codificação, o
entendimento, a compreensão, a interpretação, a generalização do que se lê, o
processo de alfabetização não garante o desenvolvimento do letramento. Nesse
sentido, muitas vezes, as atividades relacionadas ao letramento e suas
responsabilidades ficam restritas ao trabalho desenvolvido pelo professor da
área de linguagem, especificamente o de Língua Portuguesa.
Observa-se,
no entanto, que letrar não é competência apenas do professor alfabetizador,
muito menos se restringe às atividades relacionadas ao estudo da linguagem. Letrar
ultrapassa todas as ações realizadas por esses dois profissionais, uma vez que
o primeiro alfabetiza – ensina o código – e o outro trabalha questões de
leitura e interpretação muito restritas ao campo da linguagem e da arte
literária. E é impossível para o professor de Língua trabalhar questões de
leitura e interpretação em todos os campos do conhecimento. Ele pode até
tentar; mas é, praticamente, inconcebível que isso se realize em função de uma
série de questões, que passam, inclusive, pela formação do referido
profissional.
Qualquer
professor, inclusive os de área específica ou de área técnica, pode e deve trabalhar
para a composição do letramento dos estudantes. Na escola, ouve-se muito que o
estudante não sabe isso ou aquilo, sendo que esse isso ou aquilo são
pré-requisito para se avançar; na escola, observa-se muito a busca de
responsabilidades pelos insucessos dos alunos; contudo também há bastante
inércia no que se refere às práticas docentes relacionadas aos processos de
ensino e de aprendizagem.
O
que fazer diante de um cenário em que os estudantes foram alfabetizados, mas
não foram letrados? Diante dessa pergunta, vale destacar também que o
letramento é processo e não se finda nunca. Qualquer pessoa que se mantém
envolvida em processos de leitura e de escrita na sociedade permanece em
contínuo processo de letramento, ou seja, permanece sempre aprendendo algo novo
a partir da leitura e a respeito da escrita.
Voltando
à pergunta anterior, para respondê-la, talvez seja necessário pensar que, se os
alunos já foram alfabetizados, mas seguiram para séries mais avançadas sem
desenvolver as competências de leitura e de escrita, os professores, de um modo
geral, devem desenvolver atividades de leitura e de escrita a partir das quais
possa se promover o letramento relacionado às suas áreas.
Isso
parece ser interessante, uma vez que se o professor de Ciências trabalha a
leitura e a escrita, ele vai explorar questões específicas do letramento nessa
área; se os professores de História e de Geografia atuam da mesma forma, há a
possibilidade de se desenvolver o letramento também nessas áreas; se o
professor de Matemática, de Física e de Química também atuam contemplando a
prática da leitura e da escrita, com certeza, estarão trabalhando para o
desenvolvimento do letramento. Da mesma forma, pode se pensar nos professores
das áreas específicas (agricultura, pecuária, agroecologia, indústria,
alimentação, produção moveleira, meio ambiente, engenharia, gastronomia,
tecnologia da informação, informática, mecânica etc.), os quais podem trabalhar
de modo a promover a prática da leitura e da escrita de acordo com as
necessidades acadêmicas e profissionais de cada setor de atuação.
Para
isso acontecer, tais professores devem sair da postura de meros expositores de
informação, para promover atividades que envolvam os estudantes como
coprodutores e sujeitos capazes de pensar sobre o que leem e o que escrevem,
capazes de refletir acerca do conteúdo sobre o qual leem e sobre o qual
precisam escrever, devem entender a necessidade da escrita na elevação do
conhecimento dos estudantes, devem trabalhar para ampliar o conhecimento deles
a partir de atividades letradoras e não meramente repetidoras e mecânicas,
como, costumeiramente, acontece.
Dito
dessa forma, parece bastante fácil transformar as ações educativas no sentido
de promover o letramento. Entretanto sabemos que não é tão simples, uma vez que
vem se repetindo um modelo de ensino-aprendizagem bastante tradicional e no
qual se acredita, em muitas situações, ser a melhor forma de promover a
aprendizagem do aluno, de educá-lo e de ensiná-lo. Sabe-se que nem sempre somos
bem-sucedidos. Falhamos enquanto professores letradores, basta observar o
quanto de alunos temos, nas nossas escolas, com dificuldades de ler e de escrever
textos nas diversas áreas do conhecimento e a partir das inúmeras situações
sociais em que estão inseridos.
O
que fazer então diante dessa consciência? Abandonar todos os métodos
tradicionais e buscar práticas inovadoras centradas sobretudo na tecnologia? Dar
aulas show usando os recursos da tecnologia para possibilitar um falso
envolvimento do aluno nas estratégias de aprendizagem? Não. Nesse último caso,
é salutar ressaltar que o uso de alguns recursos tecnológicos não muda a
prática docente. Ela, como se pode observar, continua expositiva. Talvez seja
mais pirotécnica a depender dos recursos que se usam, por exemplo, recursos
audiovisuais – como Datashow ou Vídeo-aulas – que, cada vez mais, colocam o
estudante como mero expectador de aulas das quais ele não participa ativamente.
É
necessário que o professor seja crítico em relação à sua prática, capaz de
refletir sobre os modos como ensina e sobre os modos como se aprende. Aprender
hoje é diferente de aprender como se aprendia no passado, devido a diversos
fatores, entre eles o excesso de informação a que se tem a dispor. Tal excesso
de informação acaba por eliminar as fronteiras entre as áreas do conhecimento.
Associado a isso ainda temos o fato de que a tecnologia contribui para o
hibridismo dos textos que marcam a necessidade de uma articulação muito maior
para a compreensão.
Nesse
sentido, o professor, além de ter uma postura reflexiva acerca da forma como
ensina, deve valorizar estas questões relacionadas às fronteiras do
conhecimento e deve pôr-se em constante processo de formação. Sendo o
conhecimento sem fronteiras, as formas de aprender e de ensinar também o são.
Tal afirmativa não vale somente para o aluno, vale também para o professor, que
deve deixar a atitude de detentor e transmissor e colocar-se numa postura de
mediador na construção do conhecimento. Nesse sentido, ele, ao ensinar,
aprender e; ao aprender, é capaz de ensinar com mais sucesso. O professor que
se coloca na posição de constante aprendiz é capaz de, mais rapidamente, se
colocar na posição do estudante.
Para
concluir, considerando tal contexto em que se situam aluno e professor,
observa-se que a aprendizagem se constitui pela mediação, em que o planejamento
do professor, a orientação de estudo e de trabalho possam promover atividades
de leitura, de escrita e de resolução de problemas/questões que façam sentido
para a vida do estudante. Mais importante que transmitir o conhecimento, é
primoroso que o professor consiga mediar a construção do conhecimento, porque,
dessa forma, ele trabalha tanto os conteúdos específicos de sua área, quanto as
habilidades de leitura, de escrita, a autonomia, a capacidade de articulação e de
generalização. Nesse sentido, o trabalho do professor não está circunscrito aos
conteúdos de sua área, mas desenvolve o letramento numa perspectiva mais
abrangente.
Profa. Dra. Rosa Amélia
Pereira da Silva
Instituto Federal de
Brasília – Campus Brasília
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